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O filho de chocadeira

- Puta que pariu essas crianças!

Todo sábado, dia de limpeza, Alexandre varria o quintal com o máximo de esmero possível. Não era apenas uma tarefa rotineira e necessária, mas terapêutica para ele. Enquanto varria as folhas e a terra que se acumulavam ao longo da semana, Alexandre pensava nas dificuldades da vida, refletia sobre os problemas surgidos ao longo dos dias anteriores, antevendo as possíveis soluções a serem perseguidas na semana seguinte.

Mas sábado não é dia tranquilo. No sábado os pais largam os filhos na rua. Crianças correm para lá e para cá, soltando pipa, andando de bicicleta, gritando, perseguindo cachorros, enfim. Sábado é dia de pandemônio juvenil. E, naquele sábado, os pensamentos de Alexandre foram interrompidos por risadas infantis no portão de sua casa.

- Ô mulherzinha! Ô menininha! – Gritava um menino, de no máximo 12 anos, bochechas gordas e sujas de terra. – Você lava roupa também? Faz a janta? Minha mãe está sem diarista, você não quer ir trabalhar lá em casa?

- Ô moleque, não tem nada melhor pra fazer não? – Respondeu Alexandre, escorado no cabo da vassoura, se sentindo ridículo por  bater boca com uma criança. – Vai lá limpar esse catarro escorrendo na sua cara!

- Vira homem! Fica aí fazendo coisa de mulher!

Os amigos do menino riam, esbanjando deboche.

- Me deixa em paz, piá! Volta pra casa, pra sua mãe trocar essa sua fralda, seu filho de chocadeira!

O sorriso desapareceu no rosto no menino. Seus amigos riam ainda mais alto, e cobravam dele uma resposta à ofensa contra sua mãe. Ele, enfezado, limitou-se a gritar uma série de palavrões, agitando contra Alexandre os dedos médios em riste. Depois saiu andando a passos largos pela rua acompanhado pelos amigos, que gargalhavam espalhafatosamente.

A irritação de Alexandre era tanta que ele sequer terminou de varrer o quintal. Simplesmente recolheu com uma pá as poucas folhas que havia juntado e entrou em casa, batendo a porta. Horas depois, com a casa já limpa, ele assistia um filme, comendo amendoim e bebendo cerveja. E quando a trama chegava ao seu clímax, alguém bateu palmas no portão.

Lá estava o menino, com a mesma expressão de raiva com a qual partira horas antes. E ao seu lado estava uma mulher de baixa estatura, corpo rotundo, trajando um vestido extremamente colorido, e em seu rosto Alexandre viu os mesmos traços do menino, a mesma bochecha gorda, e a mesma carranca.

- Meu filho disse que você me chamou de chocadeira! – Acusou a mulher com voz estridente.

- Jamais faria isso, senhora! – Respondeu Alexandre, sem se preocupar em esconder o cinismo.

- Saiba o senhor que sou mulher de respeito, e meu filho merece o mesmo respeito que eu!

- Senhora, eu não falei isso pro seu filho.

- Falou sim mãe, ele falou sim! – Disse o menino.

- Meu filho não mente!

- Senhora, seu piá, além de filho de chocadeira, é um baita mentiroso!

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