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Uma jornada sem fim I - Travessia

Mark Devine

Cheguei ao rio que demarcava os limites do norte, largo e de águas ágeis, mas não muito profundo. Corria gélido por entre as árvores, como uma cicatriz viva no meio da floresta densa. Abri caminho através dos arbustos, saindo das sombras, e a luz cinzenta do dia me fez piscar. Ensaiei um passo inseguro nas pedras lisas, mas voltei e observei o outro lado do rio.

A trilha continuava, cruzando uma parte da floresta que eu não conhecia. Lembrei-me de que jamais havia atravessado aquelas águas, e que meus próximos passos seriam mais do que importantes. Não sabia o que esperar, não conseguia imaginar o que iria encontrar, mas de uma forma estranha eu simplesmente sabia que aquilo deveria ser feito.

Não sentia medo de dar o salto de fé rumo ao desconhecido, mas parecia que estava preso àquele chão antigo, e dentro de mim uma desavença surgia, pois parte de mim resistia à jornada. No entanto, precisava seguir em frente, e nada poderia me impedir, não depois de ter caminhado tanto.

Me ajoelhei à beira do rio e lavei o rosto. A água fria que descia das montanhas me deu ainda mais ânimo, e enquanto as gotas escorriam por minha barba, eu respirei fundo, sentido o cheiro suave de primavera úmida. Por alguns instantes fechei os olhos para ouvir com mais clareza os sons ao meu redor, os chilreios dos passarinhos, o vento nas folhas, a água serelepe à minha frente. O ribombar dos trovões que cortaram os céus durante a tempestade de dias anteriores ainda ecoava em meus ouvidos, mas agora eram apenas uma lembrança boa.

- Estou pronto. - disse para mim mesmo, e sorri para o rio.

Me levantei, ajeitei meus fardos, e pisei na água.
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22/10/2013.

Comentários

  1. Nobre, gostei mesmo dessa alegoria. A sensação de não querer dar o primeiro passo na água fria é o que sempre me ocorre quando algo novo surge em minha vida. Independente do resultado — de algumas jornadas já me arrependi —, o movimento é sinal de que a vida, o passado, as pessoas, enfim, não nos engessaram, sinal de que o pulso ainda pulsa. Espero que ache o que procura nessa jornada.

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  2. Igor, obrigado pelo comentário e fico feliz que tenha gostado. Ser capaz de sair andando, esperando algo novo pela frente, é algo sensacional. Significa que não ficamos atolados em algum pântano qualquer.

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