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Jantares solitários

Oyvind Solstad
Cecília limpou a boca no guardanapo de papel e relaxou na cadeira. Devagar, bebeu o vinho que restava na taça, olhando fixamente para o prato vazio e sujo de molho. O sorriso em seu rosto jovem expressava o prazer que permeava sua mente. Ela se levantou e levou a louça suja par a cozinha, ainda sorrindo, com olhos perspicazes perdidos no ar, como quem se perde em pensamentos.

Após ligar a lava-louças, Cecília caminhou pela cozinha hermeticamente limpa e organizada. Abriu o refrigerador e apanhou um pote onde se havia uma etiqueta que dizia Fígado. Voltou a guardar o pote, suspirando.

"A carne está quase no fim", disse ela mentalmente. "É hora de repor."

Voltou para a sala, que nem de longe se assemelhava à cozinha limpa. Os sofás estavam cobertos por roupas usadas, masculinas e femininas; calçados estavam espalhados pelo chão de tacos; uma densa camada de poeira cobria todos os móveis. Apanhou o celular sobre a cômoda velha e se jogou no sofá. Seus dedos delicados começaram a percorrer os contatos pela tela do telefone, buscando algum nome que fosse de seu interesse. Parou na letra O.

- Alô, Otto? - disse ela quando o rapaz atendeu. - Aqui é a Cecília, tudo bem? - E a conversa se arrastou por alguns minutos, durante os quais ela aplicou em sua voz a meiguice da qual ela se sentia tão orgulhosa. - Ok, combinado então! Estou te esperando!

Cantarolando, Cecília se despiu e tomou um banho longo. Vestiu seu melhor vestido e se maquiou cuidadosamente. Quando finalmente estava pronta, seria impossível para qualquer um perceber que ela tinha apenas dezesseis anos de idade. Aparentava mais que vinte, bonita, madura, mas ao mesmo tempo delicada como uma flor prestes a desabrochar.

Quando o interfone tocou ela já havia planejado tudo. Sairia com Otto e no fim da noite o traria até seu apartamento. Na manhã seguinte tomariam café juntos, e passariam a tarde vendo algum filme, ou simplesmente transando. E à noite haveria o jantar.

Colocando o último brinco ela correu para a porta, tentando chutar os calçados de seus antigos namorados para debaixo da mobília. Escondeu as roupas atrás do sofá e saiu. Enquanto descia pelo elevador ela se observava no espelho, novamente sorrindo e pensando no jantar da noite seguinte. Mais um jantar solitário.

"Não tão solitário!", ela pensou. "Eles estão todos lá, sempre estão. Hoje jantei com o tolo do Paulo. Há duas semanas foi Fernando. Amanhã será com Otto, o rapaz bonito e superficial."

Cecília sorriu para Otto quando o viu esperando na portaria, e seu rosto demonstrava apenas meiguice e deslumbre. Ingênuo, ele sorriu de volta. Enquanto dava respostas vazias para manter a conversa viva, ela pensava em como seria difícil matar Otto, e depois carregar aquele corpo pesado até o quarto escondido atrás do fundo falso do armário da dispensa; deitá-lo na mesa longa, cortar seus músculos, serrar seus ossos; limpar a carne, cortá-la em pedaços pequenos. Mas no fim, durante a madrugada, ela saborearia um bom jantar. Vinho tinto, algum prato fino, algum sabor para fixar na mente. "Carne assada com castanhas", planejou ela para a primeira receita.


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