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Ciclo vicioso da implicância

Thalita Carvalho

Este diálogo simples e bobo é um exercício que fiz há algum tempo, e resolvi publicar. Espero que gostem.

- Você vai ler esse livro de novo?
- Vou, por quê?
- Credo.
- Credo por quê?
- Por nada.
Silêncio.
- Não cansa não? Já não sabe essa porcaria de cor?
- Não é porcaria! E te incomoda se eu ler ele de novo?
- Não, não incomoda.
- E então?
- Só quis saber.
- Então me deixa ler.
- Qualquer dia essas páginas vão desmanchar de tanto você virar elas.
- Uhum.
Minutos de silêncio.
- Aquele moleque já morreu?
- Não, ainda não. E por que isso te interessa? O livro não é uma porcaria?
- Curiosidade.
- Me deixa ler em paz.
Minutos de silêncio.
- Pronto.
- Pronto o quê?
- Ele acabou de morrer. Satisfeita?
- Nunca gostei dele. Personagem fraco.
- Então. Acabaram de matar ele.
- A vantagem de ler esse livro tantas vezes é ler essa parte em que ele morre.
Minutos de silêncio.
- Quantos dias você vai levar pra ler esse livro?
- Sei lá. Por que a pergunta?
- Da última vez você leu em doses homeopáticas, levou semanas. Não aguentava mais te ver pegar essa coisa e sentar nessa cadeira, fumando e lendo.
- Poderia ser qualquer outro livro. Eu te incomodo quando eu leio?
- Não, é só que não entendo como consegue ler isso tantas vezes.
- Acho a história muito boa. E cada vez que leio percebo alguma coisa escondida nesta ou naquela frase. Uma maravilha de livro.
- É. Tirando o final ele não é de se jogar fora.
- Qual o problema com o final?
- Seco, sem vida. O cara passa o livro inteiro se ferrando, é de se esperar que no final ele passe por cima de tudo e mande todo mundo às favas.
- Gosto do final.
- Claro que gosta, é seu livro favorito.
- Posso continuar lendo?
Momentos de silêncio.
- Você reclama do livro e do final mas leu ele umas cinco vezes que eu sei.
- Como eu disse, tirando o final...
- É.
- Ma não é bom o suficiente para merecer ser lido trezentas vezes, feito você faz.
- Mas que implicância, credo!
- Não é implicância.
- Então o que é?
- Nada...
- O que é?
- Nada.
Minutos de silêncio.
- Vou lá fritar batatas. Quer?
- Gostaria.
- Não vai atrapalhar a sua leitura maravilhosa?
- Leio com os olhos, e não com a boca.
- É, sei.
Minutos depois, com batatas fritas.
- E essa mancha aí no livro?
- Ahn? Ah! Um dia caiu cinza acesa do cachimbo, quase queimou.
- Desastrado.
- Me distraí com a história.
- Você ainda consegue se distrair com isso daí?
- Sim.
- Credo.
- Credo por quê?
- Por nada.
Silêncio.
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Marlon Weasdor, 30/10/2013.

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