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A lebre e o lobo

tome213

Num dia sem poesia, com a garoa fina criando uma névoa que escondia os prédios, como cortina branca e translúcida, ele encontrou a si mesmo, mas estava diferente. Não trazia aquele sorriso de sempre, e sim uma expressão áspera e esperta. Seu Eu áspero falou, e sua voz era cheia de sarcasmo.

Travaram uma discussão que ele perdeu vergonhosamente. Não importava qual argumento usasse, o Eu áspero superava, provava por meio da lógica que o que ele falava não passava de bobagens infantis, coisas que ele tentava fazer para esconder sua verdadeira maneira de ver o mundo.

O Eu áspero foi cruel, não teve pena alguma daquele rapaz, que se sentia cada vez menor e ingênuo. O Eu áspero, com sua voz arrastada e despreocupada, disparava verdade afiadas, fatos letais. Aquele sim era um exemplo de sinceridade, de autenticidade. O Eu áspero não fingia piedade, não fingia nobreza, ele simplesmente emanava um orgulho tão grande que sequer precisava erguer a voz, e seu tom pastoso era suficiente para calar qualquer pensamento que o contradissesse.

Não havendo solução, ele saiu dali, um tanto chateado, tremendo mais por causa do choque que o encontro lhe causara do que pelo frio que a chuva fina trazia. E o Eu áspero o seguiu, no começo de longe e depois se aproximando, até que sob o céu cinzento e carrancudo, os dois passaram a caminhar lado a lado, duas partes de um Eu mais concreto. A lebre e o lobo caminhando juntos pela estepe.
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20/03/2013.

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