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Crepúsculos


Foto: lyric1459


- Alô.
- Oi.
- Ah, é você...
- Sim. Não desligue de novo, por favor...! Ainda está aí? Alô?
- Sim, sim... O que quer?
- Eu... só queria te ouvir mais uma vez...
- Olha, já tivemos esse tipo de conversa antes, você já me ligou falando a mesma coisa, e você sabe que eu não quero falar sobre nós. Aliás, você sabe que eu não quero falar com você. Estou tentando te esquecer, tenho o direito que querer distância de você, e você deveria respeitar isso, já que diz me amar tanto.
- Ok, ok, desculpa. Eu sei que é errado. Mas desta vez eu realmente só queria ouvir sua voz... Não tenho esperança nenhuma sobre a gente, eu só... precisava te ouvir.
- Então pronto. Já ouviu. Vou desligar.
- Não, calma!
- O que é?
- É que... você está sendo hostil demais...
- E o que esperava de mim? Carinho? Um tratamento especial? Simpatia? O que aconteceu com você? Ficou idiota de repente?
- Calma, calma, por favor, eu não liguei para brigar!
- Então pra quê ligou?
- Já falei, para ouvir sua voz... Mas não essa sua voz hostil e agressiva. Essa não é a sua voz de verdade.
- Ah, não? E qual é?

Silêncio.

- Ainda está aí?
- Sim, sim, estou...
- Posso desligar agora? Você está me irritando, e eu não quero sentir raiva de você. Já basta o tanto que você me magoou.
- Me desculpa. Sinto muito mesmo fazer você passar por isso, e sei que não deveria ter ligado. Mas eu precisava. Seria bem pior se eu não ligasse. Você precisa tentar entender...
- Entender o quê?
- Olha... eu... eu não posso explicar. Você vai saber, mas antes eu só preciso que me diga que os momentos bons significaram alguma coisa.

Silêncio.

- Você sabe que significaram.
- Mas não sei o que você sente sobre isso.
- Você quer saber se eu odeio o tempo que passamos juntos? Não. Eu adoro tudo o que vivemos, foi algo lindo. Mas não dava mais, e você sabe disso.
- Eu sei. Como eu disse, não te liguei para tentar voltar. Eu preciso saber se você vai manter as boas lembranças, ou só vai guardar as partes ruins.
- Faz diferença?
- Claro.
- É difícil... Muito. São muitas lembranças ruins. Tivemos momentos muito bons... Jamais vou esquecer você, nem o amor que você me deu e me fez sentir... Mas as mágoas também são muitas.
- Eu só quero que você guarde no coração os melhores momentos. Não peço para que apague as coisas ruins, apenas não deixe que isso tome conta de tudo.
- Essa conversa está me incomodando, se importa se eu desligar?
- Não, por favor, ainda não!
- O que mais você quer? Já não ouviu minha voz? Já não ouviu o que queria?
- Sim, mas... eu preciso saber uma coisa.
- Que coisa?
- Se... se você... se você ainda me ama.
- Ah não, você foi longe demais!
- É importante!
- Não interessa! Com quem você pensa que está falando? O que você quer? Me deixar mais pra baixo ainda? Não está contente com a situação? Tem que piorar as coisas?
- Não é isso! Eu só quero ouvir um sim ou um não! Eu juro que nunca mais vai me ver, ou me ouvir, e nem vai ouvir falar de mim.
- Pode prometer o que quiser! Você está piorando ainda mais! Já está tudo destruído! Você quer acabar com o que eu sinto por você?
- Não! Não me entenda mal, e não me julgue assim. Preciso saber o que você ainda sente por mim, preciso ouvir!
- Aonde você quer chegar com isso! Olha o que está fazendo comigo!
- Não chora, por favor! Me perdoa por ter te ligado, me perdoa! Mas eu não tinha outra saída!
- Você sabe o que eu sinto por você! É por sentir tudo isso que estou chorando agora! Eu vou desligar!
- Não desligue ainda! Meu amor, por favor! Me diz!
- Você sabe a resposta! Cruel, você é cruel! Tchau!
- Não!
- Vou desligar!
- Me diz se ama ou não!
- Vou desligar! Me deixa em paz!
- Me diz se me ama!
- Você sabe a resposta!
- Eu preciso ouvir, eu preciso saber! Eu preciso ter certeza!
- Mas que droga! Eu te amo! Você sabe que eu ainda te amo! Te amo! Pronto? Tá feliz?

Silêncio.

- Alô? Ouviu o que eu disse? Alô?

A resposta que jamais seria pronunciada era “Sim, ouvi”. Era só o que precisava: uma declaração de amor sincera. E foi com lágrimas nos olhos que, após ouvir a frase tão desejada, largou o celular. O aparelho se desfez em vários pedaços ao atingir o asfalto da rodovia, lá embaixo, e os carros que passavam terminaram de destruí-lo.

Consciente de que o fim chegara, abriu os braços para o pôr do Sol. O astro quase tocava a linha do horizonte, repleta de prédios e fumaça, entre nuvens remanescentes da chuva que acabara de cair. O topo da abóbada celeste ainda estava carregado, num cinza azulado ameaçador, e o Sol parecia brigar contra a escuridão, tentando brilhar em seus últimos instantes, dando à atmosfera uma claridade dourada e esfumaçada.

Ali, encima do viaduto, sentiu que aquela luz era uma bênção redentora, que junto com o ar úmido e fresco, veio receber sua alma. Com os cabelos ao vento sentiu a mente se esvaziar. Tudo se foi, desapareceu enquanto o abraço do ar durou uma eternidade. E neste instante congelado só o que restou em sua mente foi a voz engasgada e chorosa que dizia "Eu te amo!".

Sorrindo sentiu a felicidade tomar conta de sua mente a cada vez que a declaração de amor se repetia em sua memória. Lentamente o mundo se transformava, assumindo formas estranhas, distorcendo-se cada vez mais. Os contornos perderam a definição, e tudo se tornou um conjunto de cores misturadas, borrões de tinta impregnados numa paleta.

"Eu te amo!"

"Não chora, por favor!"

A lamentação corroeu a alegria quando percebeu que o "te amo" fora proferido entre lágrimas, e isso desmanchou o delírio final. O cansaço, a agonia, o tormento... Realidades inexoráveis.

O Sol tingiu o céu de vermelho; da mesma forma, na rodovia brilhava uma mancha rubra. Freadas bruscas, gritos, batidas... No céu, o crepúsculo efêmero do grande astro; no asfalto, o crepúsculo único e injustificável de uma vida.

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28/10/2011

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